Preocupado com a minha nova fase de vida, a retirada da vida ativa, o meu filho a título de terapia ocupacional, ofereceu-me no último natal um curso de Escrita Criativa, o qual terminou ontem. Em forma de agradecimento dedico-lhe este pequeno conto, escrito durante o curso.
O menino que não gostava do por do sol
Era uma vez um menino que não gostava do por do sol. Chamava-se Luisinho e vivia numa aldeia situada no sopé de uma serra virada a nascente, onde o sol se punha mais cedo e as brincadeiras com as crianças da sua idade, terminavam, quando se ouviam da torre da igreja as nove badaladas, espaçadas de três em três do toque das trindades.
O toque das trindades para as crianças das aldeias, era como para os militares nos quartéis, o seu toque a recolher, mas para o Luisinho que, tinha medo do escuro, o toque das trindades traziam-lhe angústia e desconforto.
O Luisinho não tinha irmãos, vivia com os pais e os avós numa casa solarenga, construída já no século XVIII, a qual se mantinha na família por herança. Como a aldeia não tinha luz elétrica, os serões passavam-se à lareira com a família e os vizinhos mais próximos.
Ora, ao longo do serão as conversas nem sempre versavam o quotidiano, muitas vezes contavam-se histórias fantásticas que, embora entusiasmassem o Luisinho, durante o sono transformava-se em pesadelos, sendo frequente os pais que dormiam no quarto contíguo, acordarem com o choro aflitivo do Luisinho.
Os pais tentavam tranquiliza-lo, dizendo-lhe que estavam ali ao lado como guardiões, mesmo assim algumas vezes quando acordaram, encontraram-no deitado hirto de frio sobre o tapete do quarto, só para os não acordar.
Os pais andavam muito preocupados com a fobia do filho, e sem saberem o que fazer. Mas um dia o pai teve uma ideia e transmitiu-a ao Luizinho.
- Olha meu filho! Doravante, eu e tu vamos dormir presos por um fio. Assim quando acordares, porque alguém te queira fazer mal, tu não gritas, puxas o fio e eu de imediato estarei junto de ti, para te ajudar.
O Luisinho ficou radiante com a ideia, pois sentia na presença do pai, uma espécie de escudo de segurança.
Logo nessa noite, após rezar a oração que a avó lhe ensinara“ anjo da guarda minha companhia, guardai a minha alma de noite e de dia”, o pai prendeu o fio ao pulso do Luisinho, deu-lhe um beijo de boas noites e recolheu ao seu quarto, esticando o fio.
Estava descoberta a terapia, a partir dessa noite e nas seguintes, o Luisinho passou a dormir tranquilamente, jamais chorando ou chamando pelos pais, desaparecendo assim o medo do escuro.
Anos mais tarde o Luisinho foi estudar para a cidade, ganhando o gosto pela astronomia. Durante as férias na aldeia, adorava olhar o firmamento, onde mesmo a olho nu, se podiam observar as estrelas e as constelações, coisa que a luminosidade da cidade não permitia fazer, com tanta nitidez.
Nessa altura o Luisinho segurando nas mãos o fio, que, estivera na origem da libertação a sua fobia de infância, o de não gostar do por do sol, o qual guardara como uma relíquia, comentava com os seus pais sorrindo.
- Mas Que tolice a minha! Se não houvesse o por do sol, como é que eu poderia ver as estrelas?
Nuno Afonso dos Santos
Lisboa 18 de março de 2016