A LUTA ENTRE O CARNAVAL E A QUARESMA (1559) — Pieter Bruegel (1564-1638) — Kunsthistorisches Museum, Viena
Antigamente eram bem diferentes os quarenta dias que medeiam o Carnaval e a Páscoa. Por isso, aquele samba onde o Martinho da Vila canta “ Pra tudo se acabar na quarta-feira” já não faz mais sentido, porque ainda no domingo passado, o primeiro domingo da quaresma, enquanto pelo Skipe conversava com uns primos que vivem no Rio de Janeiro, por sinal próximo do sambódromo, eles diziam que ali ao lado, estava a decorrer o desfile das escolas vencedoras.
Em miúdo recordo-me do sacrifício para não dizer suplício, a que a minha mãe me sujeitava, a mim e aos meus irmãos, obrigando-nos a fazer jejum e abstinência na quarta-feira de cinzas, não nos deixando comer as sobras do cozido do Entrudo, eu que ainda hoje adoro essas iguarias.
O mesmo acontecia depois em todas as sextas-feiras da quaresma, todas elas de jejum e abstinência, apesar de se pagar a bula ao padre. Confesso que muitas das vezes não resistia à tentação da carne, e pecava, mas não era com toucinho do enguião, quando pecava era logo com uma linguiça, roubando-lha quando apanhava a cozinha sozinha.
Porém esses tempos, não se diferenciavam apenas pela abstinência da carne, mas também e sobretudo, pelos hábitos religiosos, como a via-sacra a qual se fazia todos os dias com a igreja cheia. Agora reza-se apenas à sexta-feira à noite, e vão uma dezena de pessoas, ou pouco mais e depois na sexta-feira santa percorrendo o calvário. Mas mesmo essa via-sacra da sexta-feira santa é diferente, já não se enumeram os suplícios aplicados a Cristo, agora leem-se textos, adaptados à modernidade. Os santos dos altares já não são tapados com panos roxos, embora se mantenha o uso de não tocar o sino, na semana santa. O Sr. José do Forno ainda hoje conserva essa mágoa, de não ouvir o toque a finados no funeral da sua mãe, precisamente porque faleceu na sexta-feira santa.
Nos meios rurais mantém-se ainda o hábito de ao meio dia de quinta-feira santa, tocar o sino a finados, simbolizando a morte de Cristo. A partir desse momento, guarda-se dia santo de guarda, prolongando-se até ao meio dia de sexta-feira. O sino só volta a tocar à meia-noite de sábado de aleluia. Porém nas cidades a quinta-feira é dia de trabalho, e faz-se o feriado depois na sexta-feira.
Os sete domingos da quaresma contam-se da seguinte forma: Ana; Magana; Rebeca; Susana; Lázaro; Ramos na Páscoa estamos. O Lázaro apesar do seu simbolismo religioso por representar um milagre de Cristo, era vivido na nossa região com algum paganismo, pois coincidia com a feira anual de Verin, a qual está para os nuestros hermanos, como para nós os Santos, sendo a única altura do ano em que a fronteira era livre.
O dia de Ramos era uma festa que começava logo no sábado à tarde , com a procura dos elementos com que se fazia o ramo, o louro, oliveira, cangorsa e salva e o alecrim. Na missa de domingo quando da sua benção, despicavam-se o ramo mais imponente, uma prática que de certa maneira, ainda hoje se mantém na aldeia, onde o Zé Serra faz questão de apresentar o ramo maior.
O dia de Páscoa de comum com o da minha meninice, tem apenas os folares. Esse dia amanhecia com uma alvorada de foguetes, e após a missa, ouvia-se por toda a aldeia o tilintar da campainha, anunciando aleluia, aleluia e o compasso visitava todas as casas, as quais se arranjavam a primor, com flores e as melhores rendas, para receberem a benção do senhor. Enfim mudam-se os tempos mudam-se as vontades, mas apesar de não ser um saudosista, não deixo de me lembrar com saudade, de algumas coisas desse passado.