Outeiro Secano em Lisboa

Abril 08 2013

 

Segundo o dicionário da língua portuguesa, a palavra afecto significa; sentimento de carinho e ternura estima ou afeição, amizade, amor ou apego, simpatia ou ainda, a inclinação por alguém ou algo.

Há muitas formas de exprimir estes sentimentos, consubstanciados na palavra afecto, e todos gostamos de sentir afecto, venha de quem vier, da nossa família sobretudo, mas também dos nossos amigos, dos nossos colegas, ou das nossas hierarquias.

Os afectos quase se podem inserir nas obras de misericórdia, no capítulo das obras espirituais, como aquela que diz “consolar os tristes”, embora nem sempre um afecto possa ser uma consolação, mas antes uma discriminação positiva.

Infelizmente nem todas as pessoas são afectuosas, por vezes por razões que a razão desconhece, não conseguem passar essa imagem, mesmo perante os que lhe estão mais próximos.

Tenho um amigo que quando fala da sua mãe, nunca o faz de forma muito elogiosa, porque segundo ele, também nunca sentiu da sua parte, uma grande ternura ou carinho.

Eu não acredito que lá no fundo, a sua mãe não tivesse algum afecto, mas talvez a sua forma austera, moldada pelas agruras da vida da época, não lhe deixassem transparecer esse sentimento, ou ele não o conseguia captar.

De vez em quando esse amigo conta-nos episódios vividos com a sua mãe, que, de certa maneira, ilustram esse mesmo caracter, embora alguns deles encerrem alguma comicidade, que merecem ser partilhados.

Sendo da minha geração viveu o chamado PREC - Período Revolucionário Em Curso na cidade Guarda, cidade onde estudou, e foi um activista do MRPP. Os militantes desse partido na sua maioria estudantes, como não estavam subordinados às hierarquias dos trabalhadores do sector privado, eram por isso os maiores revolucionários da época.

Num dia de feira na cidade, ele e outros camaradas, apregoavam em pleno mercado municipal o Luta Popular, o jornal porta-vos do partido, cujo director era o saudoso Saldanha Sanches.

Num braço segurava vários jornais, com a outra mão segurava um jornal, e gritava.

- Olha o Luta Popular! Olha o Luta Popular! Olha o Luta Popular.

Eis senão quando mesmo por trás de si, ouve a voz da sua mãe dizer.

- Olha a puta que te pariu! E Zás! Pregou-lhe uma lambada com tal intensidade ficando com a visão turva e o ouvido a chiar. Com o impacto da lambada os jornais voaram, sendo depois apanhados pelos restantes camaradas, ele cambaleante fugiu dali a sete pés, para não apanhar mais.

De uma outra vez conta ele, era já adulto e acabara de fazer com a mãe uma viagem de autocarro, da aldeia para a cidade. Talvez porque a senhora viesse incomodada por vir tanto tempo sentada, quando desceu do autocarro peidou-se.

De imediato virou-se para o filho e repreendeu-o.

- Então rapaz! Isso faz-se?

O filho ficou todo encabulado, por toda a gente estar a olhar para ele, com ar de reprovação. Passado algum tempo vira-se para a mãe e diz-lhe.

- Francamente mãe! Você viu a figura que me fez passar, perante os outros passageiros?

- Homessa - diz-lhe a mãe – Querias que ficasse eu com a vergonha! Era? 

publicado por Nuno Santos às 18:03

Um outeiro secano residente em Lisboa, sempre atento às realidades da sua terra.
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