Outeiro Secano em Lisboa

Novembro 13 2014

Sra da azinheira.jpg

 

Todos nós conhecemos histórias fantásticas de fadas, bruxas e outros fenómenos paranormais lidos na literatura infanto-juvenil, ou ouvidas aos serões, contadas pelos mais velhos, no tempo em que os serões se passavam em alegres conversas e não em silêncio para ver e ouvir as novelas televisivas.

Esta história contou-ma a minha avó Maria Mafalda numa noite de inverno, estando eu sentado à sua lareira, no velho escano de madeira, debaixo da ramada do fumeiro, quando a nossa aldeia ainda não tinha luz eléctrica e por consequência, não havia televisão.

Este episódio passara-se há muitos anos com um nosso familiar, sobre o qual recaía o estigma de gostar da boémia, pois não perdia uma das feiras da vila, fosse a dos 8 dos 14 dos 24 ou 31. Ia a todas as feiras com o pretexto, dizia ele à mulher, de andar informado do preço dos gados, pois era um dos muitos proprietários de gado que havia na aldeia. Por vezes ia também às feiras de Monforte e do Vidago, porquanto, as feiras na Torre de Ervededo já tinham acabado, quando da perda do concelho.

Um certo dia desmontada que já estava a feira, o que acontecia sempre com o sol ainda alto, de modo a que as pessoas e os animais regressassem a casa atempadamente, porque não havia os actuais meios de transporte, nem tão boas acessibilidades como as de hoje.

Nesse tempo, as estradas eram caminhos e veredas lamacentas e perigosas, onde o perigo dos assaltos, em especial nos dias de feira espreitava em cada curva do caminho. Fizeram história alguns desses grupos de malfeitores  entre os quais, o João Brandão, Zé do Telhado ou mais localmente o Pita.

O Pita era natural da Pastoria mas, visitante assíduo de Outeiro Seco, onde tinha família. Tinha uma tia e madrinha era casada com um outeiro secano, e a sua mãe fora criada no solar dos Montalvões no tempo dos Morgados, morando na casa térrea ainda existente, situada em frente da casa da tia Bia.

Dando azo ao seu espírito boémio e folgazão o nosso homem, mesmo depois do desmantelamento da feira, ficou-se pelas tabernas da vila, em convívio com outros feirantes, sucedendo-se as rodadas, agora pago eu a próxima paga outro, ainda que lhe faltasse percorrer quase que uma légua a pé, até chegar a casa

E foi já com o sol há muito escondido, lá prós lado do Seara que regressou a casa sozinho, munido do seu inseparável cajado, ainda que sob o casaco por baixo da axila, guardasse um velho revólver, numa prática comum aos homens de negócios da época, pró que desse e viesse, diziam eles.

Nesse tempo junto à igreja da senhora da azinheira, do lado oposto da estrada, havia uma velha fonte de mergulho, agora transladada para o muro do recinto da festa.

Essa fonte servia de apoio à limpeza da igreja, pois na época ainda não havia o cemitério, porque os mortos eram enterrados nas igrejas e nas capelas. No dia 8 de Setembro, o dia festa da Sra da Azinheira, os tendeiros era com essa água que fabricavam o capilé, bebido pelos garotos através de canudo de latão, e que estes bebiam, como se fosse a melhor das bebidas exóticas.

Ora, enquanto subia a ladeira magicando na desculpa que iria apresentar à mulher, quando esta lhe azucrinasse o juízo pela chegada tardia a casa, ouviu um ruído estranho saído da fonte.

Com curiosidade e precaução aproximou-se da fonte, embora com o conforto de estar armado, e algum estado eufórico pelo álcool ingerido. Quando espreitou para dentro da fonte, ficou admirado com aquilo que viu, um pato a banhar-se ali àquela hora, em lugar tão inusitado.

De imediato pensou no troféu que iria levar para casa, pois isso iria amenizar a fúria da mulher. Levantando o cajado deu-lhe uma cajadada, atingindo o pato numa asa. Foi quando se deu uma metamorfose que o deixou perplexo,  o pato transformou-se numa mulher da aldeia, que, desesperadamente lhe suplicou por tudo o que de mais sagrado havia, lhe guardasse o seu segredo.

No dia seguinte quando as vizinhas perguntavam à mulher, porque andava com o braço ao peito, ela respondia-lhes que tinha caído nas escadas.

Aos domingos quando na hora da missa, ambos se cruzavam no adro da igreja, só ele entendia o suplicante olhar que ela lhe lançava.

Nota - Esta história com outra adaptação, está inserida no livro "Memorial do Desassossego" editado em 2012.

publicado por Nuno Santos às 13:15

Um outeiro secano residente em Lisboa, sempre atento às realidades da sua terra.
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