Já decorreram quase quinze anos, mas a notícia de ontem anunciando a morte do Prof. João Lobo Antunes, trouxe-me à memória, um dos momentos menos bons da minha vida familiar, ainda que, com um final feliz.
A minha mulher queixava-se com frequência de dores de cabeça, pese embora seja uma situação normal nas mulheres, quando ainda estão no seu período fértil, as dores dela eram sobretudo causadas por aturar vinte e cinco galferros, dentro de uma sala de aula.
Mas como as queixas eram permanentes, para fazer o seu despiste, um dia pediu ao seu médico assistente a requisição de um TAC – Tomografia Axial Computorizada. Estávamos no mês de dezembro, bem próximo do Natal, de tal modo que, o resultado do TAC, chegou na véspera da nossa viagem para Chaves, onde todos os anos, passamos o Natal com a família.
A minha mulher tem por hábito, abrir os envelopes dos exames, ainda que não saiba interpretar as imagens, pois parecem-lhe figuras geométricas, costuma ler os relatórios técnicos antes de os mostrar ao médico assistente e requisitante.
Nesse dia mal cheguei a casa com o envelope do exame, embora o jantar já estivesse pronto, assim como a bagagem arrumada para a viagem da manhã seguinte, ela cumpriu o seu ritual e abriu o envelope, lendo o relatório.
Enquanto lia o relatório a sua voz foi ficando cada vez mais sumida, e o seu rosto pálido, quando leu a palavra meningioma, embora não soubesse bem o seu significado, associou-a logo a uma coisa má.
Embora a mesa já estivesse posta, já não jantamos. No prédio vive uma enfermeira nossa amiga, a Ana Bela, que, na época trabalhava no departamento de neurocirurgia do Hospital Santa Maria, chegando a fazer parte da equipa do Prof. Lobo Antunes. Fomos logo a sua casa, para que nos fizesse uma leitura mais técnica do relatório.
A Ana Bela confirmou-nos a existência do meningioma, contudo desvalorizou-o dizendo-nos que, era benigno, com pouca dimensão e tinha uma boa localização, porquanto, não estava em compressão com o cérebro. Só que o jantar desse dia já não se engoliu, da mesma forma que, tivemos uma noite, muito mal dormida.
Ao Prof. João Lobo Antunes como a quase todos os seus irmãos, nas diversas actividades que desempenhavam, pois nem todos eram médicos, era a Nucase, empresa onde eu trabalhava, quem lhe tratava dos assuntos contabilísticos e fiscais, desse modo, a mim como funcionário da Nucase, era-me fácil ter acesso aos seus serviços.
Na manhã do dia seguinte, já não fizemos a viagem para Chaves, e tendo a minha colega e amiga Maria Mestra, como intermediária, conseguimos logo uma consulta com o Prof. João Lobo Antunes, na Cuf Infante Santo.
Após a análise dos exames, o Professor confirmou o diagnóstico da nossa amiga Ana Bela, e quando a Celeste lhe perguntou, se podia ir passar o Natal a Chaves, ele em tom divertido disse-lhe.
- Oh filha, podes ir a Chaves e comer um presunto inteiro!
Porque se tratava de um meningioma benigno e de pequena dimensão, recomendou fazer um acompanhamento anual. Assim durante seis anos seguidos, visitávamo-lo na Cuf, até quando ele achou que o meningioma estava a crescer, e decidiu extraí-lo através de uma cirurgia.
Por tudo isto, o Prof. João Lobo Antunes ficará perpetuado para sempre nas nossas memórias, mas sobretudo na cabeça da Celeste, onde tem uma cicatriz com vinte e três pontos.
Paz à sua alma.