
O tema dos refugiados não é recente. Ao longo dos tempos têm sido recorrente as fugas em massa de populações, umas fugindo por razões económicas causadas por secas extremas que, trazem a fome e doenças, outras das guerras, causadas por perseguições políticas e religiosas.
A própria Bíblia fala-nos numa dessas vagas de refugiados, designada por Êxodo, descrevendo a fuga dos Hebreus do Egito para a Terra Prometida, de onde já tinham fugido, por causa de uma seca extrema.
Durante os finais do século XIX e princípios do século XX, Portugal também conheceu de certa maneira este fenómeno, quando, por razões económicas, milhares de portugueses emigraram para as Américas, sobretudo para o Brasil. O fenómeno haveria de repetir-se nas décadas de cinquenta e sessenta, desta vez para a França e Alemanha, para suprirem a falta de mão-de-obra nesses países, devastados pela segunda guerra mundial.
Ora, foi por causa da guerra mundial e em especial pela guerra civil espanhola que, as nossas aldeias transfronteiriças receberam algumas centenas de estrangeiros, sobretudo espanhóis, perseguidos pela guerra civil.
O Pedro Prostes da Fonseca no seu livro “Contra as Ordens de Salazar” ilustra bem este fenómeno, dando particular ênfase à ação do flaviense António Augusto Seixas, que, na qualidade de tenente da Guarda Fiscal na região de Barrancos, permitiu a fuga de 405 espanhóis, evitando assim que fossem mortos pelas milícias de Franco, ainda que essa ação lhe causasse a passagem à reforma compulsiva.
Embora o seu corpo esteja enterrado no cemitério flaviense, o facto não foi muito valorizado em Chaves, nem sequer em termos toponímicos. Porém António Augusto Seixas tem dois memoriais em sua honra, um em Barrancos e outro em Oliva de la Frontera na província de Badajoz.
Na região de Chaves também houve vários casos de refugiados políticos, sendo o mais mediatizado o ocorrido na aldeia de Cambedo, onde um grupo espanhol composto por Juan Salgado Ribera, Bernardino García e Demétrio García Alvarez se refugiaram, em casa de uma irmã do Demétrio.
Em Outeiro Seco, os casos mais conhecidos foram o de uma família espanhola, a quem o senhor João Alferes deu asilo. Pouco se sabia do míster desta família, dizia-se pedreiro mas claro que, era para esconder a sua verdadeira identidade. Todos os dias a sua mulher ia a casa do meu avô Eurico, pedir-lhe o jornal o Comércio do Porto que, o meu avô comprava diariamente e lera na véspera. O espanhol lia depois com sofreguidão, os acontecimentos da guerra civil espanhola descritos no jornal.
Por essa altura Outeiro Seco recebeu um outro casal de refugiados, estes vindos da Bélgica. O marido era português e chamava-se Arnaldo, a mulher era estrangeira e respondia por Marta, nunca se soube porque fugiam, mas o mais provável era que Marta fosse de origem judia. Estavam exilados em casa do senhor Francisco Bouças, mas tomavam diariamente o café em casa dos meus avós, sempre sem açúcar, relembra a minha mãe.
A senhora tinha grande dificuldade em fazer-se entender pelos os vizinhos, todos eles com grande iliteracia, pois nessa época, ainda não se dera a vaga emigratória para França. Por isso um dia em conversa com a Fernanda André, a senhora após lhe dizer algo e vendo que, esta não a entendia, perguntou-lhe.
- Tu compri? Compri?
- Nom compri disse-lhe a Fernanda.
Então a senhora bastante irritada disse-lhe.
Merde! Merde! Compri! Compri!
A Fernanda só disse.
- Agora compri.
O episódio tornou-se pitoresco e a minha mãe, passados mais de setenta anos, ainda o recorda com graça.