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Se ainda fosse viva a minha tia Ester, faria hoje oitenta e sete anos, e juntaria a família residente na aldeia para comemorar mais um aniversário, assim como receberia as felicitações dos outros familiares não residentes. Mas de uma coisa eu tenho de certeza, ela não deixaria de evocar, o dia em que celebrou os seus sete anos.
Não porque tivesse uma festa de aniversário sumptuoso, ou recebido um presente extraordinário, mas por causa do acontecimento insólito ocorrido nesse dia, o qual ficou gravado para sempre, na sua memória.
Decorria o ano de 1938 e o dia estava muito frio, como é habitual nesta época do ano, pois lá diz o ditado” janeiro geadeiro”. Como o sino ainda não tinha tocado às santíssimas trindades, em sinal de recolher obrigatório para a pequenada, a Ester brincava ainda na rua com as amigas, convidadas para o lanche que, a mãe lhe fizera como festa de anos, composta de pão e compotas, sobretudo de marmelada.
Embora o sol já tivesse escondido no ocaso, estranhamente o céu ainda não escurecera, para alegria das raparigas que assim prolongavam a brincadeira. Entretanto interromperam-na subitamente, quando se aperceberam que dos lados do São Caetano, aproximava-se um vermelhão, mais parecendo que o céu estava a arder. Assustadas, fugiram cada uma para suas casas, buscando proteção junto das suas mães.
Mas, quando as mães viram tal coisa, concluíram estar a cumprir-se a profecia, de se estar perante o fim do mundo, desta vez em forma de fogo, em contraponto com o do Dilúvio.
Ora, perante este cenário restava-lhes procurar a salvação na igreja. O padre João da Lampaça com outra cultura, esforçava-se para os acalmar, dizendo-lhes que aquilo se tratava de um fenómeno da natureza, mas estes queriam era receber a sua absolvição, para poderem entrar puros, no reino de Deus.
Os momentos vividos na igreja foram terríficos, havia famílias inteiras abraçadas a chorar e a rezar, outros subiram aos altares e abraçando-se aos santos, pensando que assim mais perto, seriam ouvidos melhor. Uma mulher retirou as argolas das orelhas e doou-as à nossa senhora, embora as recolhesse no dia seguinte, quando se apercebeu que o mundo retomara o seu ciclo de vida normal.
Afinal o vermelhão não fora outra coisa, senão uma aurora boreal, uma coisa rara na nossa latitude, embora frequente nos países a norte do planeta. O Zé Barroco que era um homem viajado e fora emigrante na América, não se deixou intimidar com o fenómeno e enquanto o povo fugira para a igreja ele jantava tranquilamente em sua casa.
O mesmo já não se passava com a sua afilhada Júlia, que de coração apertado não conseguia comer.
O Zé Barroco bem insistia – Come Júlia! Mas a menina só dizia.
- Oh padinho num se m’ingole!