Foto tirada em Segirei numa das rotas do Contrabando
Entende-se por contrabando, a transmissão de mercadorias entre dois países por vias não legais, sem o registo nem pagamento das taxas aduaneiras. Após a entrada na CEE Comunidade Económica Europeia, agora denominada União Europeia, essas barreiras foram abolidas passando tanto as mercadorias como as pessoas, a circularem livremente.
Antes disso, o contrabando apesar de proibido e fiscalizado do lado português pela Guarda Fiscal e do lado espanhol pela Guardía Civil (carabineiros) era uma prática utilizada em todas as regiões raianas, nomeadamente naquela que agora é designada como, a eurocidade Chaves-Verin, na área que vai da freguesia de Soutelinho da Raia até a Segirei.
Em Outeiro Seco essa prática do contrabando, foi transversal a várias gerações. Quase sempre havia um ou mais agentes que arriscavam financeiramente na operação, depois contratavam jovens que, a troco de um soldo combinado, transportavam às costas essas mercadorias, de Espanha para Portugal, até um local previamente combinado.
O que os jovens ganhavam nessa operação, dava-lhes para os seus pequenos gastos quotidianos, compensando a semanada que, não recebiam dos pais. Mas não se pense que era um dinheiro fácil, bem pelo contrário. Primeiro essas ações só se realizavam durante a noite, tanto nas noites serenas de verão, como nas frias e molhadas de inverno, além disso, estavam sujeitos ao excesso de zelo de algum guarda, havendo infelizmente vários episódios trágicos, que ilustram isso.
Nos finais da década de sessenta, era o José Rodrigo, também conhecido por Zé Moucho, o principal agente do contrabando na aldeia. O Zé herdara a alcunha e a atividade da sua mãe, Ana Batista, também conhecida como Ana Moucha, que durante uma boa parte da sua vida, fizera do contrabando o seu meio de vida.
Embora já casado e pai de filhos, porque casara muito precocemente, o Zé tinha pouco mais de vinte anos, por isso relacionava-se com toda a juventude da aldeia, inclusive jogava até na equipa de futebol, não tanto pelas suas aptidões futebolísticas, mas porque era o único que já tinha carro, um Volkswagen carocha branco, o qual funcionava como o autocarro da equipa.
A carga era variada, tanto poderia ser de têxteis, como calças de ganga ou de bombazine, como de bens alimentícios como o bacalhau ou o azeite. A maioria das operações tinham sucesso, até porque eram bem planeadas, procurando saber quem eram os guardas que estavam de serviço nesse dia e qual a zona de intervenção.
Já quanto aos carabineiros, as autoridades do outro lado da fronteira, havia alguma alguma negligência, pois como o fluxo era de lá para cá e como as divisas ficavam do lado espanhol, os carabineiros não costumavam ser muito atuantes, também porque os próprios comerciantes galegos, se encarregavam de os moderar.
Mas sempre que havia mudanças no comando do posto e enquanto a coisa não entrava na normalidade, havia sempre um período de alguma instabilidade. Ora precisamente numa altura dessas, em que o grupo vinha ainda compacto do lado galego, foram surpreendidos pelos carabineiros.
Ouvida a ordem de paragem, dada pelo novo chefe dos carabineiros, foi um deus nos acuda, cada um fugiu para seu lado, só que perante os disparos para o ar, do chefe dos carabineiros, houve três que arrearam a carga.
Depois de ter posto a sua carga a salvo, o Zé Rodrigo ainda voltou atrás, tentando junto do chefe da brigada, recuperar a carga apreendida, dizendo-lhe.
- Oh senhor guarda, eu já sou um homem casado e tenho dois filhos, o senhor tirou-me o pão dos meus filhinhos.
Sem se desconcertar o carabineiro disse-lhe.
- Mira se esto es el pan de tus hijos, Hoy será el pan de mis hijos.
Perante a intransigência do agente galego, não restou outra alternativa ao Zé Rodrigo em dar essa carga como perdida. Contudo o prejuízo não foi total, porquanto, os restantes elementos do grupo, ainda salvaram as suas.