Outeiro Secano em Lisboa

Novembro 01 2021

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                                    Foto Fernando Ribeiro

Apesar de não poder votar nesta proposta, porquanto, não sou eleitor no concelho, como outeiro secano nado e criado, não posso deixar de dar o meu contributo, para um melhor conhecimento do tema.  

Para se falar nas leiteiras de Outeiro Seco é preciso recuarmos quase aos finais do século XIX, quando as primeiras leiteiras iniciaram esse ciclo do leite, vendendo apenas leite de cabra.

Não seriam as únicas a fazê-lo, porquanto, é atribuído a uma leiteira de Sanjurge, que, regressava a casa após a venda do leite pela vila, ter sido a primeira a avistar a coluna de Paiva Couceiro, no longínquo dia 8 de julho de 1912 e ter dado o alerta.

Tanto Sanjurge como Outeiro Seco beneficiam ambas da sua proximidade com a cidade, que, na época era ainda vila e a vida num concelho essencialmente rural.

Nas aldeias vivia-se exclusivamente da agricultura e da pecuária, pese embora essa pecuária incidisse apenas na criação de ovelhas e cabras e uma ou outra casa mais abastada, criasse também o porco para abate na época das matanças.

A maioria dos criadores dedicava-se à criação de ovelhas e uma minoria à criação de cabras, havendo na altura na nossa aldeia quatro cabradas, pertencentes a; António Redonda, Manuel Neves, António Pereiro e Torcato Rua.  

Por isso, as primeiras leiteiras de Outeiro Seco foram precisamente as suas esposas; Rita Salgado, Líbia Neves, Adosinda Ferreira, e Leopoldina Rosa, as quais, com o cântaro de leite à cabeça e sem qualquer controle de qualidade, percorriam as ruas da vila vendendo o leite às sua freguesas, que, pouco a pouco iam fidelizando.  

A propósito de Adosinda Ferreira referimos aqui a sua ligação a um episódio, que, ajuda a situar essa época. O regime republicano dava os seus primeiros passos e os seus partidários, desdobravam-se em pequenas equipas, percorrendo as aldeias em sessões de esclarecimento, espalhando os ideais republicanos, arregimentando partidários para a sua causa, porquanto, as populações locais eram essencialmente monárquicas, por influências dos padres.

Outeiro Seco por exemplo, era um forte bastião monárquico, por influência do Padre Liberal Sampaio.  

A equipa destinada a Outeiro Seco era chefiada por Joaquim Delgado o qual, nem chegou a usar da palavra. Com o argumento de que os republicanos queriam levar a ara romana, protetora dos outeiro secanos perante as trovoadas, para o museu da vila, gerou-se ali um movimento de mulheres chefiado precisamente por Adosinda Ferreira, as quais munidas de faca e alguidar afugentaram os republicanos.

O caso haveria depois de ficar sanado por causa de um erro na intimação, pois, em vez de ser intimada à presença das autoridades a Adosinda Ferreira, foi Adosinda Portela parente afastada de Joaquim Delgado.  

A grande viragem no ciclo do leite em Outeiro Seco ocorreu no ano de 1929, quando António Emílio Afonso, à época já funcionário do Banco Sotto Mayor, adquiriu uma vaca leiteira para uso exclusivo na alimentação das suas filhas.

A sua quinta nas Alminhas tornou-se num lugar de romaria, o povo ia ver a novidade como se fosse a um jardim zoológico ver uma espécie rara. O António Redonda que era um visionário viu logo ali uma janela de oportunidade, sendo dele a segunda vaca leiteira que veio para Outeiro Seco, tornando-se a sua mulher Rita Salgado, na maior leiteira da aldeia.

A raça bovina estava ainda a implementar-se no norte do país, ficando apenas por Penafiel e Marco de Canaveses. Assim os potenciais interessados tinham de se deslocar às feiras dessas localidades, e caso fizessem alguma aquisição, transportavam depois as vacas de comboio, até Chaves.

Apesar disso, a atividade pecuária predominante na aldeia continuava a ser a pastorícia do gado ovino, chegando a haver dezoito rebanhos, rondando as mil e quinhentas cabeças de gado.

Durante a década de trinta ocorreu na aldeia um acontecimento, do qual resultou numa maior intensificação na produção do leite de vaca. Tratou-se do Movimento dos Couteiros um movimento que consistia, na denúncia às autoridades locais Regedor e GNR, do uso abusivo pelos pastores, do pasto dos rebanhos em propriedade alheia.

Era óbvio que, nenhum pastor tinha propriedades suficientes para apascentar o seu gado, desse modo, os proprietários dos rebanhos para evitar a litigância a que ficaram sujeitos, viram-se obrigados a vender os seus rebanhos e a adquirir vacas leiteiras, para a sua subsistência.

Deste modo, o leite entrou na vida económica das famílias outeiro secanas, tornando-se no maior produtor de leite do concelho. Graças a essa receita semanal, muitos outeiro secanos evitaram a emigração, em comparação com outras aldeias vizinhas.

Claro que o leite teve uma importância vital no desenvolvimento da aldeia, pese embora, houvesse um outro elemento preponderante desse desenvolvimento, como é a  sua situação geográfica, distando apenas pouco mais de quatro quilómetros do centro da  cidade.

Estes dois elementos contribuíram para que Outeiro Seco seja seguramente a freguesia, com mais licenciados do concelho, ocupando também a maior parte de lugares no setor dos Serviços na cidade, ainda que uma boa parte deles tivesse também procurar a sua subsistência noutros locais, como foi o meu caso.

Mas antes, também eu próprio fui um elemento desse ciclo de vida, porquanto, durante uma boa parte da década de sessenta, ainda que também frequentador dos bilhares do Ibéria e do Comercial, antes de entrar às 8,20 da manhã na Escola Industrial de Chaves, atual Júlio Martins, já tinha ordenhado duas vacas, cujo leite era depois levado à Tia Bia, para ser vendido na cidade.

Quanto ao projeto “Leiteiras de Outeiro Seco e as brancas madrugadas da memória” esperamos que possa acolher um forte apoio de todos os flavienses, porquanto, muitos foram aqueles que, iniciaram as suas refeições matinais com o leite produzido em Outeiro Seco e distribuído depois pela cidade, por essas mulheres de fibra, resistentes ao frio e à chuva do inverno, mas também ao tórrido calor do verão.

Parabéns aos seus mentores e muito sucesso com o projeto, o qual só vem dignificar o bom nome e a glória de Outeiro Seco.      

 

publicado por Nuno Santos às 13:50

Um outeiro secano residente em Lisboa, sempre atento às realidades da sua terra.
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